Diário do Eu sozinho 23/03/13
Hoje minha irmã chegou e pude enfim ter um tempinho maior pra mim. Pedi licença e fui caminhar. Precisava espairecer, respirar ar puro, mexer as pernas tão acostumadas a atividades e tão confinadas nos últimos dias.
Tomei a rua de frente ao prédio e segui a passos largos seguindo o fluxo natural do movimento. Andei umas boas quadras até um ponto em que a rua se bifurcava, segui então pela direita até o cemitério, onde resolvi visitar meus parentes e o jazigo da família onde um dia eu também vou estar.
Entrei no cemitério e me deparei com um velório na primeira capela, onde inclusive fora o velório do meu tio e lá vi um caixãozinho tão pequeno e um pai completamente arrasado ao lado, inconsolável, nem conseguia erguer a cabeça. Pensei que aquilo me comoveria, mas estranhamente passei tranquila pelo caixãozinho e pensei que deve ser muito triste ter que enterrar uma criança tão pequena, mas pensei. Não senti. Me surpreendi comigo mesmo pela leveza que envolvia e a mim.
Segui pelo corredor onde encontrei uma funcionária que concordou em ir até o jazigo do Tio que faleceu e eu não pude ver. Nunca havia visto o Jazigo da Família do Pai. Foi uma descoberta interessante. Tive um pensamento maldoso para com o Pai. Um palpite de por que ele não quis ser enterrado aqui.
Papai era um homem muito vaidoso, o Jazigo muito simples em cimento cru, pintado de azul claro não devia ser o que ele imaginava pra si mesmo... Lá encontrei os nomes do meu Tio, meu avó paterno e de uma senhora que suspeito ser a bisa. Só não sei se mãe do vô ou da vó...
De lá segui para o jazigo da família de minha mãe, onde estão meus avós maternos e meu tio que faleceu recentemente. Como não pude sequer ficar na cidade no dia do enterro dele devido a uma estréia no dia seguinte, aproveitei para me demorar ali.
Me sentei ao lado das fotos do vô e da vó e fui tomada de uma paz tão intensa, de lá se via um céu tão imenso e lindo e azul... as nuvens carregadas de uma chuva que já se se anunciava, o calor do sol e seu brilho intenso refletido nas mesmas nuvens. Recostei a cabeça no jazigo, cerrei os olhos e senti que tudo ficaria bem. Não cheguei a conhecer minha vó materna, mas fui inúmeras vezes quando criança lavar seu túmulo e levar flores. Naquela época existia uma árvore que fazia sombra no jazigo e teve de ser derrubada por causa das raízes que estavam invadindo o túmulo ( acho isso divertido mas a administração com certeza não achou.)
Hoje o sol bate diretamente no mármore, que estava
bem quente quando me sentei. Senti que ali atrás do túmulo deveria existir uma árvore ou um arbusto para fazer sombra. Então decidi buscar um arbusto ou árvore que faça sombra, mas não tenha raízes muito abertas para poder crescer sem prejudicar o túmulo. Assim que encontrar volto ao cemitério pra lavar o túmulo, levar flores e plantar uma árvore para que daqui alguns anos volte a ter uma pequena sombra sobre o tumulo. Senti vontade de cuidar daquilo.
Não sei quanto tempo fiquei sentada ali somente olhando pro céu, sem pensar em nada, apenas me sentindo em paz, tranquila, como quem entende e aceita o que está por vir, não com resignação, mas com afeto e gratidão. É como se eu sempre estivesse estado ali. A olhar aquele céu tão lindo.
Ao sentir que a chuva estava muito próxima, fui até o cruzeiro das almas e de lá segui em linha reta até a saída. O cemitério daqui me é tão familiar e aconchegante que não tenho dúvidas sobre pra onde quero ser levada quando meu corpo se modificar.
Quero que ele permaneça nessa morada até se tornar definitivamente pó e se dissolver no ventre chão da terra mãe.
Sinto que meu esvaziamento está agora próximo do fim. Meu ventre já se renova e meus pensamentos já não pairam sobre os mesmos assuntos. Meus sentimentos se apaziguam e o que sinto é uma distância tão grande de tudo o que vivi nos últimos anos que nem parece que era eu...
A metamorfose continua.
E a busca pela árvore se inicia.
Buenas...
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