terça-feira, 19 de março de 2013

Flautas Peruanas.

Diário do Eu sozinho 19/03/2013

E agora josé???
                                                               

Difícil continuar no exercício constante de escrever este diário.
Não verbalizei na última postagem e sequer fiz uma postagem específica para o fato, mas, meu pai faleceu no dia 14 de março e de lá pra cá as coisas ainda estão se ajeitando.
Ironicamente meu luto pela separação parece ter atraído o luto pelo falecimento real de alguém próximo. Ironicamente um dia depois de realizar a solene missa de sétimo dia pelo término de minha relação, tive de me deparar com o início do luto pela morte de meu pai. Ok? Tudo de novo?
Não.
Dia 15 a família se reuniu no Memorial do Carmo para velar o corpo e eu para me despedir, pois sabia que no dia seguinte seria muito difícil dada a movimentação das pessoas e o ciúmes e possessividade exarcebados da digníssima viúva. Meus sentimentos estavam muito mais para uma raiva contida do que pra melancolia e pra tristeza profunda que normalmente toma as pessoas em situações como essa.
Em dado momento vieram dizer que iriam fechar a capela por que a viúva não se sentia bem e queria ir embora. Nesse momento minha raiva não se conteve e nos braços do meu irmão caçula eu desabafei que aquilo não era justo. Que durante toda a nossa vida fomos apartados por diversos motivos e raramente conseguíamos estar juntos, eu, meu pai e meus irmãos. Que nem morto, em pleno velório isso era possível. Em curtas e claras palavras :

- Que porra é essa? Será possível que nem o corpo dele morto vão nos deixar velar ? Vão à puta que os Pariu!!!

Um bom chôro depois e já mais calma um amigo contou como seria a solenidade da cremação e finalizou contando que ao término toca uma musiquinha incidental com flautas peruanas... Rimos muito, tanto que minha irmã entrou na capela pra perguntar se a risada era minha ao que respondi que sim e completei advertindo-a de que era melhor ouvir minha risada do que ter ouvido o chôro.
As 22:00 fecharam a capela. Poderíamos até ficar se quiséssemos, mas ficaríamos trancados... Trancados com o Pai morto numa sala gelada (o ar condicionado estava a toda!) sem um gorozinho, nem um baralhinho??? Resolvemos ir todos pra casa e voltarmos de manhã cedo.
Em casa conversamos e bebemos até muito tarde, aproveitamos da companhia uns dos outros e demos algumas risadas mas a conversa foi mais tranquila e com certeza o vinho nos fez dormir melhor.
Sábado, às 8da manhã já estavamos na capela. Como a viúva também, dividimos a atenção e nos preparamos para a solenidade que seria dali a pouco.
Antes de fecharem o caixão beijei pela última vez a testa do pai, fria e inerte naquele mar de crisântemos brancos.
Fecharam o caixão e chorei abraçada ao meu irmão caçula. Pensei que não veria mais aquele rosto que fora tão amado por mim a vida inteira.
Entramos nos carros e seguimos o rabecão pelo cemitério até chegarmos no local da cremação.
Um monte de pessoas estranhas acompanhavam seus entes recém falecidos serem cremados e aguardavam para receberem as cinzas. Um ambiente completamente desconfortável e desconcertante.
Em meio ao chôro alheio a burocracia fria de quem lucra com a morte nos impunha uma postura firme e enérgica para com nossos próprios sentimentos de pesar. Assinamos documentos, fomos avisados sobre o valor do aluguel do Caixão (sim, aluguel, o caixão não é cremado. Se bobear nem a roupa do morto...) e de quando poderíamos buscar as cinzas que vem num saco plástico dentro de uma sacola de papel, a não ser que você compre uma urna. A última facada. Segunda minha grande Tia : 

- Será que a família não pode trazer seu próprio recipiente? Tipo a quentinha só que no caso, Friinha?  

Mal estares a parte, chegou enfim a hora da solenidade, ou como diria minha mãe, celebração.
Entramos em uma sala com cadeiras dispostas de frente a uma esteira rolante onde se encontrava o caixão, adivinhem? Com a tampa aberta. Oi de novo!  

Um cheiro muito estranho tomava  conta do lugar, eu juraria que meu olfato apurado estava sentindo cheiro de gente cremada, mas como ninguém mais parecia estar se incomodando com o fato, considerei que eu poderia estar me auto induzindo pelo momento, Psicodélico eu diria, aquilo estava parecendo filme do Terry Gilliam.
Me posicionei junto ao meu irmão caçula ao lado do caixão, na altura do quadril, pois a cabeça já descoberta, consolava a viúva inconsolável em prantos. Não foi possível chegar mais perto que isso. A viúva chorava descontroladamente enquanto no corredor onde estava a esteira, a fornalha fazia sons estranhíssimos e meus pensamentos se tornaram focados em se despedir daquela figura paterna dizendo-lhe que fosse embora em paz e em luz, que estaríamos bem daqui por diante e que se houvesse algum "lá" ele olhasse por nós.
De repende distingui dentre chôro de viúva, barulho de fornalha e meus próprios pensamentos, a musiquinha incidental com flautas Peruanas... Olhei pro meu irmão caçula que também havia reconhecido o som e disfarçadamente rimos e fomos nos sentar junto aos outros.
Depois de dois arranques mal sucedidos, a esteira enfim se moveu e lá se foi o caixão com o Pai dentro. 
Agora sim era pra sempre.
Novo Chôro. 
Levantar e continuar a caminhada sem a presença daquele que foi marcado pela ausência em nossas vidas.
O que demais se sucedeu, entre conversas e desabafos, situações e delicadezas, foi isto e haja dito que o que não se disse não se dirá mais.
Saí da solenidade com o coração leve e com o pensamento tranquilo. Se existe um Deus, ele foi muito generoso comigo ao me permitir perdoar a quem por muito anos me feriu.
Assim, só me restou a tarefa de prosseguir e levar comigo o que foi bom.
E o resto do que foi é sido.
Agora sinto que posso retomar esse Diário do Eu sozinho que não está só.

À Todos que lerem este texto, ao me verem, não me deêm condolências. 
Me abracem forte e me olhem nos olhos como quem abraça à um amigo que esteve longe por muito tempo.

Eu voltei.

 

9 comentários:

Loeni Mazzei disse...

Um grande abraço virtual! já que é assim que pode ser, que seja! bjoks

fernanda lopes disse...

Que bom,tudo já passou e vc voltou,parabéns pela pg,vc como sempre fazendo de sua dor,uma poesia. Estou feliz por vc...agora tudo vai melhorar! quanto maior a dor,maior o aprendiza/ faz parte da vida! muita coisa maravilhosa está batendo á sua porta! espere: bjs de luz no seu coração!

fernanda lopes disse...

como já disse no comentário anterior,vc voltou e isso é o que importa agora! sofremos e aprendemos cm nossa dor! é um teste que passamos para nosso progresso espiritual! a vida continua/ recebe um forte abraço da amiga que te adora!

Trilhamarupiara disse...

Vou comentar como uma colega que não a vê pessoalmente a muito tempo, porém com carinho guardado no coração dos anos que foram compartilhados em um mesmo espaço, alguém que a admira pela autenticidade preservada até em momentos de dor, se sinta abraçada fortemente por mim! Que venham agora tempos de mais alegria p ti! Abraços Anna

Valéria disse...

Vc sempre retorna. mais forte e bonita! Te amo

Harmonia é saúde disse...

Sinta-se fortemente abraçada por mim. Carinhos...

Ziza disse...

É isso aí Anna, cliche dos cliches, mas "é vida que segue". Talvez... não sei... mais fortalecida pelos acontecimentos trágicos. Pra isso que eles servem... eu acho!
Beijos e abraço apertado como pediu!

Unknown disse...

Hugs. Hugs. Hugs.

Unknown disse...

Hugs. Hugs. Hugs.